Foto: Renan Conceição

Pesquisadores tentam livrar toninhas da extinção, a espécie de golfinho mais ameaçada do mundo

Captura acidental pela pesca, poluição e perda do habitat pode levar ao desaparecimento de uma das espécies mais antigas que se tem registro
Compartilhe
Compartilhar no facebook
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no pinterest
Compartilhar no twitter

Tímida, a toninha é uma espécie de golfinho pouco conhecida do público em geral. Encontrada apenas na Argentina, no Uruguai e em parte do litoral brasileiro, entre o Espírito Santo e o Rio Grande do Sul, está classificada como criticamente ameaçada pela Lista Oficial das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção e considerada categoria vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A captura pela pesca acidental é o maior risco a este cetáceo, que sofre ainda com a poluição das águas e perda de habitat.

Na luta pela preservação do golfinho, a elaboração de estratégias de manejo sustentável para as áreas prioritárias está entre as principais medidas a serem adotadas. Para isso, as pesquisas precisam avançar na compreensão das causas da mortalidade e da relação da espécie com as atividades pesqueiras.

Esse tem sido o trabalho do Projeto Conservação da Toninha, liderado pela bióloga Camila Domit, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Iniciado em dezembro de 2018 pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), numa coalizão que reúne 12 entidades, atua na região que compreende os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, onde a ocorrência da espécie sobrepõe áreas de intensa atividade humana.

“A preservação da toninha demanda um esforço coletivo porque, infelizmente, corremos o risco de vê-la extinta já na nossa geração”, alerta Camila. “Por isso, atuamos para engajar pesquisadores, pescadores, gestores, consultores, monitores e demais indivíduos cuja atuação tenha impacto neste processo.”

Camila conta que uma das ações mais marcantes do projeto foram as conversas com pescadores e outras pessoas envolvidas com a atividade pesqueira em 55 municípios, ainda antes da pandemia, em 2019. A iniciativa foi fundamental para compreensão sobre a legislação de pesca e seus conflitos; questões sociais, econômicas e familiares; indicadores escolares, de acesso à saúde e outros serviços públicos.

Como a toninha não tem valor comercial, as pesquisas demonstram que a pesca do pequeno golfinho é, realmente, acidental, sensibilizando inclusive os pescadores. “Eles têm preocupação com a toninha, ficam tristes quando capturam uma delas em suas redes, mas não podemos ignorar a demanda social e econômica relacionada à sobrevivência das comunidades pesqueiras”, pondera.

A pesquisadora pontua que a extinção de uma espécie é sempre uma perda inestimável para o planeta e mesmo para a manutenção dos serviços ecossistêmicos, que o ambiente presta ao mundo. “Estamos diante da perda de uma das espécies mais antigas de golfinho que conhecemos, e isso terá graves consequências para a regulação da cadeia alimentar. As toninhas exercem papel importante na corregulação da oferta de peixes com os animais que são topo de cadeia na região costeira”, esclarece.

A toninha é uma espécie de sentinela ambiental, um animal que demonstra a qualidade do ecossistema. “Conhecer a saúde dela é saber da nossa saúde. E mais do que isso, por ser um predador de peixes e lulas, seu desaparecimento pode desestruturar a cadeia alimentar”, explica. “Se sumir a toninha, ela não vai sumir sozinha”, enfatiza.

Vidas ameaçadas

Conhecida fora do Brasil como franciscana, a toninha tem peso médio de 30 quilos, cerca de 1,5 metro de comprimento e vive aproximadamente 23 anos. Em 2016, a International Whaling Commission (IWC) (a Comissão Baleeira Internacional) adotou um plano de conservação e manejo para a espécie, contando com a adesão dos governos dos três países onde as toninhas são encontradas. Estima-se que restam menos de 50 mil indivíduos da espécie atualmente no mundo. As mortes anuais não têm estimativas confiáveis, mas para a região de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, onde a população é estimada em menos de 10 mil, mais de 600 animais são encontrados mortos encalhados na praia por ano, número que demonstra a gravidade da situação.

É muito raro observá-la viva, tanto por causa de seu comportamento tímido quanto por sua coloração amarelada. Vivem em grupos pequenos, de 2 a 30 animais, em profundidade de até 30 metros, sempre próximas da costa, ocorrendo no máximo entre 45 e 55 quilômetros das praias.

Após a conclusão dos estudos e mapeamento sobre os hábitos e localização dos animais, podem surgir novas recomendações sobre o uso de redes específicas e novas tecnologias que reduzam os riscos de captura acidental. “Pesquisas como essa trazem dados importantes para que sejam desenvolvidas ações e políticas públicas efetivas, que contribuam com a conservação da espécie e também levem em conta a realidade socioeconômica de populações locais”, afirma Leide Takahashi, também membro da RECN e gerente de Conservação da Natureza da Fundação Grupo Boticário, instituição representante da sociedade civil na Década do Oceano no Brasil.

“Não queremos acabar com a pesca e nem deixar a toninha morrer sem fazer nada. Então, como vamos construir esse meio termo? Queremos elaborar soluções junto com a comunidade, levando em consideração aspectos sociais, econômicos e ambientais”, explica Camila, ressaltando que a ameaça aos golfinhos é reflexo de um problema maior, que pode comprometer todo o ecossistema marinho. “Conseguimos identificar alterações provocadas por produtos agrícolas e industriais que chegam no mar através dos rios. A ameaça às toninhas é um sinal de como precisamos cuidar melhor dos recursos pesqueiros e da saúde humana”, pondera.

A coordenadora do projeto acrescenta que olhar para a sobrevivência da toninha é direcionar esforços para a manutenção de um oceano limpo, saudável, resiliente e explorado de maneira sustentável. Estes desafios estão elencados para a Década do Oceano (2021 – 2030).

Sobre a RECN

A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes em www.fundacaogrupoboticario.org.br

Sobre a Fundação Grupo Boticário

Com 30 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.

Compartilhe
Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no pinterest
Pinterest
Compartilhar no twitter
Twitter

veja também

Comentários estão fechados.