Estudo feito no Rio de Janeiro diz que calor extremo pode aumentar taxa de mortalidade em até 50%
O estudo descreveu a relação entre o calor extremo e o aumento de mortalidade na cidade do Rio
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Um novo estudo da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro descreveu a relação entre o calor extremo e o aumento de mortalidade na cidade do Rio, reforçando a importância das medidas previstas no Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo, implementado em 2024 e já em vigor neste verão. Realizado pelo Centro de Inteligência Epidemiológica (CIE), o trabalho é um dos mais relevantes já produzidos sobre o tema: foram analisados todos os registros de mortes naturais ocorridas entre 2012 e 2024 — mais de 466 mil —, além de mais de 390 mil mortes por causas selecionadas. Entre outras conclusões de interesse público, a pesquisa indica uma associação entre a exposição ao calor e o excesso de mortalidade, com maior risco para idosos e portadores de doenças como diabetes e hipertensão, além de Alzheimer, insuficiência renal e infecções do trato urinário.
Publicado como preprint na plataforma acadêmica MedRxiv e já submetido para avaliação de revistas científicas internacionais, o artigo mede o impacto do calor extremo sobre 17 grupos de doenças listados na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), cujos números foram analisados separadamente conforme a classificação de Níveis de Calor (NC) usada no Protocolo de Calor. O cálculo apontou que um registro de NC4, que acontece quando o índice de calor (IC) é igual ou superior a 40ºC por quatro horas ou mais, está associado a um aumento de 50% na mortalidade por doenças como hipertensão, diabetes e insuficiência renal entre idosos. O mesmo acréscimo de mortalidade foi observado em apenas duas horas de IC igual ou superior a 44ºC, condições que caracterizam o NC5.
Em linha com outras evidências já produzidas pela comunidade científica, o estudo da SMS sugere também que os idosos são mais vulneráveis ao calor extremo do que os jovens, pois apresentaram acréscimo de mortalidade em mais causas e com mais intensidade. Entre pessoas com 65 anos ou mais, o registro do NC4 representou ainda um aumento de 25% nas mortes naturais, nas mortes causadas por doença arterial coronariana e também nas mortes pelas causas selecionadas, que incluem ainda influenza, pneumonia, doenças cerebrovasculares e outras doenças do aparelho circulatório. Dos 17 grupos de causas de morte analisados, 12 apresentaram alta considerável da mortalidade para idosos no calor extremo.
Nova métrica
Buscando medir de forma mais eficaz a exposição ao calor e os riscos associados, a pesquisa introduz uma métrica inédita, chamada de Área de Exposição ao Calor (AEC) — no texto original em inglês, Heat Area Above a Threshold. A nova medida tem o diferencial de contemplar o tempo de exposição ao calor, variável não considerada em outras métricas de calor existentes, como temperatura, sensação térmica e índice de calor. Segundo o estudo, contar o tempo que uma pessoa passa submetida ao calor intenso provou ter uma correlação importante com a mortalidade, sobretudo no caso das populações mais vulneráveis. Entre idosos, a exposição a uma AEC de 64ºC*h (graus-hora) eleva a mortalidade por causas naturais em 50%, e com 91.2°C*h o risco de mortalidade é dobrado, indica a pesquisa.
Para dar uma ideia do que isso significa, os pesquisadores citam o exemplo da onda de calor de novembro de 2023. No dia 18 daquele mês, que ficou marcado pelo triste episódio da morte da jovem Ana Benevides durante o show da cantora Taylor Swift, o índice de calor do município ficou acima de 44°C por oito horas, resultando em AEC de 117,78°C*h — o maior da série histórica. Esta data, destaca o artigo, também registrou o maior número de óbitos de idosos por causas selecionadas observado em um só dia (151), demonstrando que a métrica AEC contribui para a detecção de tendências nos índices de mortalidade com maior precisão.
A pesquisa da SMS oferece, portanto, uma nova ferramenta para os gestores em saúde pública de todo o mundo, que se mostrou mais eficaz do que as outras métricas em identificar os dias de calor incomum e extremo. O estudo faz uma comparação entre duas datas quaisquer da série histórica para mostrar como a AEC pode ser útil. Em 12 de janeiro de 2020, o índice de calor médio foi de 32,69°C, enquanto em 7 de outubro de 2023 foi de 32,51°C — praticamente idênticos. No entanto, na segunda data, o calor extremo durou mais tempo, resultando em uma AEC de 55,3°C*h, valor 20 vezes superior aos 2,7°C*h da outra data. A diferença mostra o impacto cumulativo da exposição ao calor sobre a saúde humana.
Impacto da emergência climática
O estudo também descreve o efeito da emergência climática nos indicadores meteorológicos do município do Rio, destacando que os anos de 2023 e 2024 foram os mais quentes da história. Para ilustrar o efeito desse fenômeno sobre a população carioca, o gráfico da pesquisa (em anexo) correlaciona as ondas de calor com os excessos de mortalidade por causas selecionadas registrados ao longo da série histórica, citando epidemias como covid-19 e influenza. O diagrama evidencia como a onda de calor de novembro de 2023, por exemplo, está associada a um registro de mortes diárias muito acima do esperado.
No contexto da crise climática, a pesquisa serve, portanto, como alerta para o agravamento das condições meteorológicas do planeta como um todo, especialmente para as regiões mais quentes. “Há uma atenção crescente aos efeitos do calor na saúde em países da América Latina, à medida que a população latina está envelhecendo e o número de episódios extremos relacionados ao calor na região está aumentando”, dizem os pesquisadores. Eles também ressaltam as desigualdades já comprovadas na vulnerabilidade ao calor, influenciadas por fatores como gênero e raça, ampliando o impacto desses eventos extremos conforme os determinantes sociais.
O estudo é vinculado ao doutorado do pesquisador do CIE João Henrique de Araujo Morais na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e leva a assinatura dos outros membros do grupo: Débora Medeiros de Oliveira e Cruz, Valeria Saraceni, Caroline Dias Ferreira, Gislani Mateus Oliveira Aguilar e Oswaldo Gonçalves Cruz. O CIE é responsável pelo levantamento e pelo monitoramento dos dados epidemiológicos do município do Rio, além de elaborar estratégias para prevenção e combate de doenças.
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