Raphael Nery
O que você fará de mim? Pergunta o tempo.
“Nada, Lucílio, é nosso, exceto o tempo. A natureza nos deu o privilégio desta única coisa, tão fugaz e escorregadia que qualquer um pode esbulhar tal posse.”
(Sêneca, Diário de um Estóico)
Durante as duas últimas semanas, me debati com um texto sobre o tempo. Esta é a razão pela qual não lancei novos textos aqui no Portal Giro. Tenho a mesma tendência dos meus antepassados de encasquetar com um assunto e tentar persegui-lo até que se esgote. Parece que assim como o tempo não se deixa capturar no espaço, também não deixa capturar na escrita. Levei uma invertida do tempo, e foi ele que me capturou por 15 dias. Petulância minha desafiar um adversário tão poderoso. Mea culpa, mea maxima culpa.
O mais interessante de tratar dos grandes temas da existência, é que não dá para isolá-los. Eles são inter-relacionados, e falar de um é como falar do outro, pelo menos em parte. O tema do tempo, por exemplo, me fala sobre vida e seu sentido, fala sobre propósito e vida social, sobre desejo e castração, e também sobre a morte. A morte, este tema tão angustiante, também o que mais intriga e interessa. Espero que o leitor não fique chocado em saber disso. É que entre nós, humanos, este tema é um tabu tão forte que o antropólogo Ernest Becker, escreveu em seu livro A Negação da Morte, que cada sociedade cria sistemas de heroísmo para preservar seus cidadãos da angústia causada pelo conhecimento da sua própria finitude. O caráter ideológico da civilização se revela pela negação da concreta natureza animal dos processos autônomos e fisiológicos do ser humano. Em lugar disso, afirma primeiro através do mito, depois da religião, do humanismo renascentista, e por último da ciência, que o homem é algo a mais. Um animal que pode vencer a morte, tornando-se um herói mítico, como entre os gregos e romanos, vivendo em outro mundo após a morte, ou reencarnando, exercitando sua razão através da lógica e da matemática, na Modernidade, ou se submetendo a tratamentos genéticos, estéticos, cirúrgicos e medicamentosos da mais alta tecnologia.
Para mim, é o nascimento e não a vida, o oposto da morte. Este, é um processo biológico que coagula um ser no mundo. Já a morte, é um processo igualmente biológico que dissolve um ser do mundo. Para cada ser humano, o tempo só existe após o nascimento e antes da morte. Todo passado é história, e todo futuro é uma fabulação. Entre o nascimento e a morte, o que temos é o tempo, e é no tempo que exercemos o que chamamos vida. Viver é uma ação e uma escolha que fazemos dentro do tempo que temos. A ação e a escolha de exercer os nossos processos físicos, emocionais, intelectuais, relacionais e espirituais no espaço e dentro do tempo que temos. Tempo que é escasso, urgente, e que cada vez mais nos é demandado pela contingência. Para mim está claro que a morte é uma grande conselheira. A percepção de nossa própria finitude nos ajuda a conferir sentido à vida. Nesta semana, acessei uma ferramenta interessante que mostrou quantas semanas já vivi até hoje, e quantas faltam para viver até uma determinada idade que eu considerei plausível como expectativa de vida. O nome da ferramenta é Life Calendar (https://life-cal.com/design/), a qual recomendo a todos que queiram adquirir uma nova perspectiva sobre o tempo que temos.
A toda fração de segundo, o tempo olha no fundo dos nossos olhos e pergunta: - E então? O que você fará de mim? Busquemos respondê-la satisfatoriamente, sob o risco de desperdiçarmos nosso tempo com coisas que não nos satisfazem interiormente.
Vivamos!
Instagram: @o.raphaelnery
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