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Petrópolis,11/10/2024

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Raphael Nery

Do Oráculo de Delfos à Inteligência Artificial: eram os deuses Engenheiros de Dados?

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Do Oráculo de Delfos à Inteligência Artificial: eram os deuses Engenheiros de Dados?

"Quem busca respostas em Delfos deve estar preparado para perguntas"

(Sófocles, Édipo Rei)


    O ano era 2008, e fui presenteado por um aluno com um livro a respeito da história do Google. Era fascinante: o buscador surgiu como um projeto de mestrado que tinha como objetivo fazer o download de tudo o que havia de público na internet à época, categorizando, organizando e permitindo que os usuários pudessem buscar todo tipo de conteúdo multimídia nos servidores da empresa a partir de palavras contidas neles. Era genial, mas já vivíamos o início da WEB 3.0, e os limites da produção de conteúdo na internet se expandia para possibilidades ainda não pensadas por mim ou meus colegas técnicos e educadores. O Google tinha as respostas para qualquer pergunta que tivéssemos, e os enciclopedistas franceses do século XVIII teriam sem dúvida oferecido suas cabeças para viver este tempo.

    Lembro de ter feito, durante uma aula, uma comparação explícita do Google com o Oráculo de Delfos. Sempre fui um sujeito apaixonado por mitologia, e fazia questão de contar estas histórias aos meus alunos para que pudessem perceber que o desenvolvimento tecnológico do tempo em que estávamos vivendo tinha suas correlações com diversos outros aspectos da nossa vida cotidiana. A tecnologia é um fenômeno humano profundamente ligado às nossas vidas e que também comporta múltiplas subjetividades.

    A comparação fazia sentido na época. Ainda não era o momento de tecnologias disruptivas como as que vemos hoje. O princípio de funcionamento do Google naquela época ainda é bastante parecido, entretanto, com o que convencionamos chamar de Inteligência Artificial, e que na verdade são apenas modelos de reprodução da linguagem humana. Estes sim, movidos por sistemas de Inteligência Artificial e baseados em grandes volumes de dados devidamente tratados por técnicos especializados. Em Delfos, era o deus Apolo quem respondia ao consulente, mas sempre através das pitonisas, que eram sacerdotisas especialmente treinadas para receber  e interpretar as respostas da divindade. Quem é o deus que responde ao oráculo dos consoles de Inteligência Artificial, então? Sistemas automatizados. Seus sacerdotes são milhares de profissionais de tecnologia ao redor do mundo que desenvolvem estes sistemas a partir de regras empresariais. Não reside nessa constatação, uma grande revelação, entretanto. O que isso diz sobre nós?

    Os oráculos falam sobre o destino inescapável dos seres humanos. Somente fazendo frente ao inexorável mandado dos deuses é que alguém poderia levantar-se como herói, afirmando-se contra a ordem natural do Universo e certamente morrendo de algum modo horrível por uma causa sua. Esta qualidade de heroísmo era bastante própria do que conhecemos como o conceito de dignidade humana, que significa autodeterminação, ou seja, não ser um meio para um fim que não seja um fim próprio.

    Os atuais sistemas de Inteligência Artificial têm trazido enormes colaborações para o desenvolvimento científico e a propagação do conhecimento, ainda que haja críticas poderosas a fazer sobre a maneira como as empresas que mantém estes programas se apropriam dos nossos dados, ou como o trabalho de artistas reais está sendo roubado para ensinar computadores a desenhar. É a perda gradual da crítica diante do saber, e a perda da capacidade de produzir conhecimento original que denunciam nossa má relação com essas tecnologias. Nos posicionamos diante destas ferramentas como animais acríticos e sedentos por um programa que redija nosso dever de casa ou que nos crie o novo e-book que venderá de montão na internet e nos deixará ricos em 5 dias. É a pequenez da nossa mentalidade que não nos permite usufruir de toda a potencialidade que estas ferramentas têm a nos oferecer.

    Mais do que as respostas que estes sistemas possam nos apresentar, são as nossas perguntas que revelam os aspectos mais profundos da nossa alma. Não é difícil pensar em uma pessoa desesperada procurando no Google como se curar da depressão ou ansiedade. Não é difícil pensar em alguém pesquisando no Gemini ou no Chat GPT se vale a pena continuar vivendo ou não. Nossas perguntas revelam nossas angústias e inseguranças, e o fato de perguntarmos sobre elas na internet nos mostram que nos sentimos mais abandonados à medida que a sociedade avança e a tecnologia progride. Em outros tempos, perguntaríamos a Deus ou à nossa consciência a resposta para um problema que nos aflige. Hoje perguntamos no Quora, nas redes sociais ou em alguma IA.

    No fim das contas, na contemporaneidade, os deuses, as consciências superiores que de tudo sabem e que respondem aos nossos questionamentos não se revelam mais através das pitonisas seminuas e embriagadas que inspiravam e desafiavam os heróis, mas através de puríssimas telas LED de luz branca. Angelicais sim, mas profundamente artificiais. Nada mais próprio para o nosso tempo.


Instagram: @o.raphaelnery




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