Seja bem vindo
Petrópolis,20/09/2024

  • A +
  • A -
Publicidade

Raphael Nery

A imortalidade possível: Uma pós-vida como perfil de consumo

Image by starline on Freepik
A imortalidade possível: Uma pós-vida como perfil de consumo

“Um dia pedi a um velho sábio

Que me falasse sobre os que já se foram.

Ele disse: Não voltarão. Eis o que sei.”

(Rubaiyat, de Omar Khayyam)


    O tema da imortalidade sempre mexeu com o meu imaginário. Dos poderosos feiticeiros em livros de fantasia à medicina genética; das poções encantadas, capazes de restaurar a juventude, aos mirabolantes maquinários que curam doenças e restauram membros nos filmes de ficção científica, tornar-se imortal sempre foi uma das mais potentes fantasias humanas. Tão potente que permitiu ao ser humano, em vários tempos e lugares elaborar sistemas não só de crenças, mas também de valores sociais em torno da superação (ou mesmo da negação) da morte.

    Os antigos guerreiros Tupi eram imortalizados ao serem devorados pelos seus algozes. Os dramas da Hélade narravam as histórias de heróis que invadiam o Hades e saiam vivos como semideuses. Grandes artistas hollywoodianos deixam as marcas de suas mãos na Calçada da Fama, enquanto acadêmicos sonham em tornar-se referências bibliográficas.

    Já nós, postamos fotos nas redes sociais e colecionamos seguidores. Na sociedade do espetáculo, ser anônimo também é estar morto.

    Fiquei particularmente impressionado com as possibilidades de imortalidade digital propostas na série Black Mirror. Imaginar um futuro em que nossas mentes possam ser digitalizadas para a construção de um simulacro digital que viverá em um ambiente simulado, ou um sistema de Inteligência Artificial que seja capaz de capturar todos os nossos traços de personalidade, fala, ideário, lógica decisória e que seja capaz de representar nossa existência após a morte, é tão assustador quanto surpreendentemente delicioso.

    A realidade me parece mais entediante do isso, entretanto. Uma questão bastante discutida nos dias atuais é sobre como empresas estão interessadas em diversos tipos de informações dos usuários. Parte importante do processo de segmentação de público nas campanhas de marketing digital é a formulação de personas, que são perfis de consumo de  clientes ideais que poderiam se interessar por determinados produtos ou serviços. Os dados dos usuários reais são comparados com estas personas de modo que se possa direcionar propaganda a clientes mais propensos a adquirir estes produtos e serviços, ou seja, àqueles cujo perfil mais se aproxima de determinada persona.

    Sabendo da superlativa quantidade de dados de usuários armazenados e cruzados em datacenters ao redor do mundo, não seria surpreendente concluir que parte da nossa existência digital está representada por informações do nosso perfil de consumo. Portanto, existimos também na WEB não apenas como frases de efeito na Bio, nas fotos e vídeos da última viagem ou nos nossos comentários a postagens nas redes sociais. Existimos e continuaremos a existir como este conjunto de dados de consumo em algum centro de Big Data. Esta é a parte que sobreviverá.

    Afinal, depois do último suspiro, pode ser que nossas contas sejam removidas, que os algoritmos não impulsionem nossas publicações ou que nossos conhecidos não curtam mais aquelas fotos antigas. 

    Sempre haverá, entretanto, uma torrente de SPAM lotando a esquecida e ainda existente caixa de e-mails, a mais nova promoção imperdível para a compra de qualquer produto genérico, promovida por um desconhecido, desavisado e inconveniente vendedor de Whatsapp, e as centenas de ligações de centrais de telemarketing oferecendo planos de telefonia, ainda que não sejamos mais capazes de atendê-las.

    Pode ser que uma parte de nós continue existir depois de nós?

    Talvez sim, e também não de um jeito que importe.


Instagram: @o.raphaelnery



COMENTÁRIOS

LEIA TAMBÉM

Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.