A contínua e crescente chegada de imigrantes venezuelanos à Região Norte do Brasil, principalmente a Roraima, fez com que a agenda migratória, normalmente de pouco impacto no debate público brasileiro, ganhasse notável abrangência desde o fim de janeiro. Muito da ampliação desse debate, inclusive, foi reorganizado pelo contorno político do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro e pela acentuada polarização opinativa e eleitoral no país.
Verificou-se, no monitoramento de redes sociais da FGV/DAPP, predomínio geral de posicionamentos contrários ao acolhimento de imigrantes no estado, cuja capital Boa Vista enfrenta problemas logísticos e financeiros para recebê-los em dignas condições. Esta pesquisa identificou, entre 22 de janeiro e 19 de fevereiro, 58,9 mil postagens sobre a migração venezuelana ao Brasil, sendo 2 mil originadas de blogs com material noticioso/informativo (3,4%), 5,8 mil de sites de notícias (10%) e 51 mil publicações do Twitter (86,6%). Tal predomínio oposto à ampla recepção de venezuelanos, contudo, é bastante fragmentado, em função dos diferentes atores de influência que atuaram no debate, e tem argumentação crítica mais forte em relação ao governo da Venezuela e à situação emergencial da população do que em relação à questão migratória em si.
O gráfico abaixo ilustra a oscilação diária no volume de menções ao tema em Twitter, sites e blogs desde o fim de janeiro. O começo do aumento de debate na web coincide com dois eventos simultâneos: o desfile do Grupo Especial das escolas de samba do Rio, em particular a campeã Beija-Flor e a vice-campeã Paraíso do Tuiuti; e a viagem do presidente Michel Temer, durante o feriado de Carnaval, a Roraima. Até 09 de fevereiro, praticamente toda a discussão sobre Venezuela, no Brasil, repercutia tuítes com notícias sobre a chegada de refugiados ao estado ou contestações políticas ao presidente Nicolás Maduro, que é associado fortemente aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Por isso, mais do que engendrar um debate específico sobre a situação dos venezuelanos em Roraima, o engajamento de atores nas redes sociais anterior ao Carnaval mantinha destaque ao matiz político do regime venezuelano, ainda como resultado do julgamento de Lula no fim de janeiro.
A partir dos desfiles e da visita de Temer a Roraima, o debate passa a incorporar, de forma centralizada, a conjuntura de chegada e recepção dos imigrantes na fronteira do país. Também com forte impacto de notícias que destacam a fome dos venezuelanos, a falta de alojamento e de serviços públicos no estado, a condução do tema se inverte: em vez do governo de Maduro orientar o apontamento de críticas políticas à imigração, o desafio migratório se sobrepõe como o eixo a partir do qual os diferentes grupos de oposição ao PT e à esquerda ensejam questionamentos partidários e ideológicos.
O pico de menções ao assunto foi em 13 de fevereiro, terça-feira de Carnaval, logo após o desfile das escolas do Rio. As alegorias da Paraíso do Tuiuti suscitaram grande impacto nas redes sociais, sobretudo entre grupos de apoio a Lula e aos governos petistas, em contraposição à agenda de Temer, e o desfile da Beija-Flor acentuou a interseção entre o Carnaval e a política social. Simultaneamente, diferentes veículos da imprensa deram ênfase aos múltiplos problemas em Roraima: o jornal “O Estado de São Paulo”, por exemplo, anunciou o aumento do efetivo militar no patrulhamento da fronteira e a declaração, por parte do porta-voz da Organização Internacional para as Migrações (OIM), de que a situação na Venezuela é de proporção equivalente à do Mediterrâneo, que já dura alguns anos.
Outros veículos relevantes da imprensa repercutiram os mesmos tópicos, assim como episódios de xenofobia e violência contra os imigrantes em Roraima. O apresentador Milton Neves fez seguidos tuítes críticos ao acolhimento de venezuelanos, apontando como decorrentes da falência do governo Maduro. Políticos alinhados à direita também questionaram a recepção dos refugiados, com críticas às ações de Temer para gerenciar a questão e ao apoio de Lula e Dilma ao presidente da Venezuela.
Com isso, a organização dos grupos engajados no debate se fracionou entre atores próximos ao PT e a outros partidos de esquerda, que repercutiram os desfiles e os associaram à rejeição aos imigrantes, e os perfis da política, da imprensa e do entretenimento que reiteram a situação dos venezuelanos como resultado do fracasso de Maduro. Estes se dividem entre os opositores explícitos de Temer (alinhados a personagens como Jair Bolsonaro) e defensores da restrição à entrada de refugiados, mas sob o argumento da incapacidade de Roraima em receber tamanho volume de estrangeiros.
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Fonte: FGV